quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Revoltarmos, por que?

Se queremos conhecer as causas que levam um indivíduo a aceitar ou rejeitar determinadas coisas, devemos inicialmente conhecer o ambiente onde os futuros homens e mulheres são treinados para enfrentarem os desafios da vida.

A maneira de educar, na maioria das vezes muito pouco contestada ou questionada, quando da autoridade dos pais estejam eles certos ou errados,  mas em nome do que é bom, mal ou baseados em tradições, que para as crianças não tem o menor significado, a induzem desde cedo, aceitar a submissão imposta principalmente aparadas por vantagens ou castigos fartamente distribuídos pelos pais, sejam em bens materiais ou em quantidade de amor. Isto direciona um futuro indivíduo, desde a mais tenra idade, consolidar sólidos conceitos sobre o que dele se espera e sobre o qual será seu comportamento e interesse.

Os conflitos sempre existirão, mas o risco da doutrinação familiar que a todo instante diz que papai e mamãe gostam de "Joãozinho" ou "Mariazinha" quando são obedientes, indica que estas crianças futuramente vão receber o mesmo tipo de sugestão por parte de professores, chefes, autoridades, empregadores, etc., tão habilmente dissimulados de papais e mamães, e daí em diante os resultados todos conhecemos. E a criança submissa transforma-se em um jovem submisso que não sabe enfrentar seus conflitos, suas angustias, seus temores, levando estes a confundirem liberdade com a busca da verdade. Imaginam que a liberdade sexual e outras tantas mais levam-no a encontrar um mundo melhor, menos neurótico e cometem assim um grande equívoco, pois ao contrário do que pensam acabam num sentido contrário e alucinante em relação à esta busca.

Nestes contemporâneos tempos, ainda mais os vividos em nosso país e no mundo, a fé dos jovens na busca da verdade da vida tem sido perdida, os levando a procurar minimizar este sofrimento numa gama de valores falsos, que proporcionam alívio curto e temporário. As novas tecnologias, drogas, álcool, sexo, manipulação pelos veículos de comunicação em massa, estão tornando os jovens alienados, embotados em sua capacidade de pensar, sentir, ouvir, perceber coisas, etc. Ao invés de enfrentarem seus problemas pessoais e os de seus grupos, fogem para baladas intermináveis, de si mesmos e de seus problemas indo se amontoar e massificar, esquecendo que no dia seguinte tudo será igual.

Com certeza alguém está levando a melhor nesta situação, podando os futuros cidadãos, tentando controlar o povo dominando-lhe o pensamento, construindo valores falsos, acabando com a educação, com a formação de uma personalidade integrada e com a condição de rebelar-se e pensar. Parece ser uma ótima hora para o jovem parar de ser alienado, de seguir a corrente dos submissos e lutar pelos seus direitos de pessoa como indivíduo que compõe uma sociedade, e assim criar um mundo melhor tanto para si como um futuro melhor para as novas gerações.

Calar-se é o mesmo que consentir e negar a existência do que ameaça, não faz esta desaparecer ou diminuir, pelo contrário, leva cada vez mais o indivíduo e a sociedade a ser tornarem autênticos robôs. Negar o sofrimento é um sofrimento em si e esta negativa é ainda mais destrutiva, trazendo sentimento de incapacidade, nos distanciando da esperança por uma transformação que nos afaste de um caos social para onde caminhamos.

A liberdade de sonhar acordado, sob a influência lícita, ilícita e dos veículos de comunicação de massa ajuda a reconciliar os vassalos com a servidão que é o seu destino, tornando assim os jovens mais dóceis e controláveis tal como acontecia com os escravos que desempenhavam suas funções impostas sem se destruírem ou a seus escravizadores, porque estes projetavam neles sua agressividade e eles se identificavam com ela, fazendo assim com que não se revoltassem até que surgiram os abolicionistas que lhe projetaram uma imagem diferente, sua própria agressividade, não mais a projetada pelos escravizadores. A partir deste momento os negros foram capazes de se rebelar e lutar contra a escravatura.

A revolta existia mas foi preciso que surgissem líderes que viessem em seu auxílio, que lhes mostrassem que existia uma outra opção, que eles tinham condições e dever de lutar pelos seus ideais e direitos. E neste momento nos defrontamos com a figura muito falada, muito estudada, mas na realidade muito pouco conhecida: o "líder". Que figuras misteriosas seriam esses indivíduos? Quem são eles? Onde estão? Que atributos possuem? O que faz com que as pessoas os escutem e os sigam?

Inúmeros sociólogos, pensadores, psicólogos, etc. procuram essas respostas. Ora acham que os líderes nascem com misteriosos atributos: "fator X", personalidade "alfa"; ora falam em magnetismo, carisma; ora de atributos físicos, voz eloquente, capacidade de discernimento, realismo, etc., aumentando ainda mais a confusão reinante. Sabemos muitas vezes quem são ou quem foram, pois a História está cheia de relatos da maneira como agem ou agiram. Sabemos que o líder tem que ser correto, convincente, lutar pelos objetivos e problemas do grupo, ser íntegro, ter cuidado para não esquecer seus objetivos caindo em extremos e levando o grupo a destruição. Coincidência com estes últimos anos por aqui, não?!

Afirmam alguns autores que basta surgir uma grande crise para que os líderes apareçam. Também argumentam que a liderança é situacional, mas neste momento estamos em crise, será que não nos apercebemos disso? Que estamos esperando? Que os líderes surjam, esquecendo que também nós podemos sê-lo? Acaso não estamos sendo enganados, manipulados, usados a bel prazer, no afâ do "deixa fazer"? Não será também que os líderes estão o tempo todo por aí, gritando e nos mostrando que alguma coisa não está certa? Será que perdemos a capacidade de discernir? De realmente querer ouvir e analisar o que estão nos dizendo através de livros, teatro, e exemplos? Ou vamos preferir continuar a ler historietas vazias, "músicas" de baixa qualidade, slogans e jingles manipulativos? 

Esta é a hora para usarmos nossa maravilhosa inteligência, a única coisa que nos torna diferentes dos animais irracionais. Paremos de nos tornar "abovinados", questionemo-nos, vamos procurar a verdade, a justiça, o ideal mais sublime de qualquer habitante deste planeta, o ideal de sermos verdadeiros homens e mulheres, insatisfeitos por natureza, mas que não se cansam de procurar, de lutar, de não aceitar o que não serve, de repudiar o errado, de sair dos grilhões que nos impuseram e aceitar o desafio que a humanidade nos destinou. Todas as gerações enfrentaram crises e as resolveram sob pena de serem destruídas; deixemos de ser platéia e de querer como os antigos romanos somente "pão e circo" e sermos simples peças substituíveis de uma máquina não humana.

O temor ao desconhecido sempre conteve o homem na sua marcha de anseio para a realização de novas esperanças. No momento em que suprimirmos do ser humano os conflitos estaremos irremediavelmente condenando-o a ser máquina, que nada sente, que não precisa pensar, decidir, escolher, e então tudo estará pronto. Não seremos mais necessários, ninguém precisará de nós, nem nós mesmos. O momento para agir é agora...amanhã, talvez seja tarde demais. O vazio existencial já está se alojando. Que o futuro não reserve aos indivíduos dos próximos séculos somente vivermos por viver, culpados e condenados pela nossa omissão.

Alexandre de Abreu Valle - Psicologia Clínica
Consultórios: Cruzeiro - Cidade Nova
Consultas agendadas pelo telefone: (31) 984093040







quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Massificação Cultural

 A cultura no Brasil sempre foi acessível principalmente a uma minoria privilegiada. Isto remonta aos tempos do Brasil Imperial, em que a cultura estava restrita a filhos da burguesia que detinha o poder econômico, e que, portanto, eram os únicos a terem condições de frequentar os famosos colégios europeus.

Voltavam ao Brasil após terem finalizado seus estudos, e passavam a perceber as diferenças de realidades dos dois mundos. Aqui o que vigorava na época era o trabalho braçal, e não havia lugar para a cultura, o que acarretava uma má compreensão do idioma.

Os jesuítas foram os primeiros a revelar preocupação em instruir o povo. Para tanto, promoveram a fundação de vários colégios. Temos hoje no Brasil um grande número de instituições públicas que levam a cultura às grandes massas. Porém seu número, principalmente das universidades, é insuficiente para atender uma demanda cada vez maior, e mesmo aqueles que nela conseguem entrar ou nela permanecer, continuam sendo em sua grande maioria privilegiados de uma classe social de maior poder aquisitivo. A grande maioria não consegue um nível sequer de subsistência quanto mais de estudo.

Não é somente a cultura adquirida através de escolarização, apesar do enfoque, que é de difícil acesso. A simples cultura diversificada, adquirida por meio de várias fontes, é também confinada às classes de poder aquisitivo maior. O que resta à grande massa é uma massificação cultural, sem preocupações com ordem de valores, sentido crítico e julgamento. A cultura lhes chega através de medíocres programas de televisão e de baixas literaturas. Não é uma verdadeira cultura o que as atinge, mas sim o sopro cada vez mais forte de uma marginalização cultural.

Não podemos, contudo, nos esquecer que a população brasileira é formada por diversificado número de povos e que isto contribui grandemente para a corrupção do idioma português. Não é de admirar que a redação, como parte obrigatória em importantes exames no país, exerça grande repercussão psicológica nos estudantes. A primeira reação é a de verdadeiro pânico e podemos, se fizermos uma análise mais minuciosa, dizer que com justa causa.

Justa, porque o estudante faz todo o curso básico e secundário detido em esquemas decorativos. Em praticamente nenhum momento durante estes anos todos sente a necessidade de procurar uma maior culturalização, pois não há incentivos para tal. O que é exigido por parte dos professores é a leitura repetitiva de uma "cartilha". O estudante, não parte para um aprofundamento dos conhecimentos básicos adquiridos na escola. Atem-se, simplesmente, ao que lhe é lançado de forma já deglutida pelos professores. Salvo alguns poucos casos, em momento algum sente necessidade de ele próprio analisar e tentar compreender o que lê, e por que o faria? Tudo o que precisa saber para executar uma boa prova chega-lhe aos ouvidos analisado e interpretado.

Ao concluir o segundo grau, ingressa em cursos preparatórios, onde o ciclo se repete de forma mais acentuada. O processo de decoração acentua-se de maneira catastrófica. O estudante converte-se em uma máquina de marcar X. Em raros momentos utiliza-se da palavra oral ou escrita. Não há tempo para leitura de espécie alguma, leituras estas que poderiam desenvolver-lhe o intelecto. O tempo tem que ser "aproveitado" para memorização das fórmulas e tantas outras regras, etc.

Este círculo fechado de ensino empurra-o para a margem dos fatores sociais e culturais, e esta marginalização cultural leva-o a buscar novas formas de expressão que denotam falta de conhecimento. Passa então ao uso abusivo de gírias, e outros símbolos como meio de comunicação. Com a tecnologia atual dos computadores e dos novos smartphones e suas possibilidades de comunicação via redes sociais, temos percebido novos símbolos gráficos em substituição ao idioma falado. Estes maneirismos de comunicação indicam muito mais do que simples processo de não culturalização, revelam um estágio interior de insatisfações, de insegurança e ansiedade. E, a forma encontrada de manifestá-los é através da criação imaginativa e fantasiosa de novos simbolos comunicativos que tendem a atingir a massa.

Ao sair deste circulo vicioso, com a entrada nos cursos superiores, o estudante depara-se com uma nova realidade marcada pela defasagem entre os cursos secundários e o ensino superior. Esta busca de conhecimentos torna-se uma necessidade cada vez mais crescente. O estudante depara-se então, com a difícil tarefa de passar a interpretar o que lê. Não há mais quem o faça por ele.

As provas não mais medem a capacidade de memorização, mas sim conhecimentos profundos e abrangentes que avaliam sua capacidade crítica e discriminativa. No momento em que há exigência de por no papel seus conhecimentos, mesmo que estes existam em grande quantidade e lhes venham facilmente à mente, há dificuldade de expressa-los de forma lógica, inteligível e coerente.
 
Nesta fase do avanço intelectual o estudante percebe que é apenas uma peça da integração social e nota que sua força é imprescindível a tal processo, para talvez, enriquecer outros.
 
Alexandre de Abreu Valle - Psicologia Clínica
Consultórios: Cruzeiro - Cidade Nova
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